Me orgulha muito o fato de ter sido convidado para gerir toda a comunicação e propaganda de duas campanhas eleitorais vencedoras no município de Canela. Em 2004 fui convocado em um ano bastante turbulento para mim, meses após ter perdido o meu pai e recém saído da faculdade. Mesmo assim consegui colocar tudo aquilo que ainda vinha fresco da academia e com a mistura da experiência de gente ligada a campanha, que tinha o conhecimento das ruas e das vilas, consegui de primeira uma vitória nas urnas. A segunda (e terceira, pois simultaneamente fiz o trabalho em outro município) vieram juntas em 2012 de forma ainda mais recompensadora. Em 2012 a doação foi ainda maior. Era mais experiência, mais técnica e mais sangue para vencer aquela eleição. Por diversos motivos, principalmente por ser um canelense, foi também uma batalha que levei para o lado pessoal. Uma campanha que consegui mexer com o brio das pessoas e vence-la foi ainda melhor e mais recompensador. A alegria verdadeira que senti naquela tarde e noite da vitória são uma lembrança do meu povo e dos meus vizinhos que pra sempre levarei comigo, aonde eu estiver.
Outro fato que me deixou bastante orgulhoso foi ter sido convidado por uma pessoa importante na política para deixar o trabalho estratégico e de persuasão de bastidores e vir para linha de frente, ou seja, me tornar também um político. Apesar de envaidecido minha resposta foi não.
Apesar de recompensadora, aprendi vivendo no Brasil principalmente na última década que, ser oposição no pais é algo que sai da esfera da política e invade o brasileiro no seu amago. Não é a direita contra a esquerda, o meu partido contra o seu ou até, o meu time que é melhor que o teu. É eu contra você. Tu pode ser até do meu partido, do meu time, vizinho de rua, mas eu sou contra o que tu pensa. Eu preciso ser melhor que você, por isso a sua ideia não é boa, a minha é. É um problema psicológico, de identidade. Ou seja, não vejo na esfera política brasileira, mesmo entre pessoas com os mesmos interesses, uma vontade real de colaboração em torno de boas ideias. Eh muita destruição para pouca construção.
Disse não pois, independentemente de você achar que a política é suja ou não, acredito que o sistema político do país, ou melhor, o sistema partidário é falho. Um político não consegue sustentação se apoiar a ideia do outro partido ou ir contra a ideia do seu próprio. O político não consegue representar nem a vontade de quem o elegeu e nem a sua própria em nome de alianças partidárias que vão completamente contra o que eu acredito ser o caminho para um real progresso. Um ambiente onde as decisões não partem realmente do âmago de cada um e isso se multiplica dentro de toda daquela coletividade, para mim não faz sentido algum.
E talvez acima de tudo, neguei pois apesar de já ter pensado e muito sobre a nossa cidade, tudo que até hoje me ocorre como soluções imediatas e também de longo prazo, são medidas que seriam extremamente impopulares. E não sendo populares, também não seriam políticas. Algumas delas já discuti com amigos ligados ao poder e nem deles consegui algum tipo de entendimento, imagina para a população, para os eleitores.
Pois bem, sei que muitos não entenderam, vou ver se dessa vez, através desse artigo que você me dá a honra de ler, pelo menos consigo com quem alguém me entenda. Pelo menos um pouco.
A medida imediata que eu tomaria caso um raio celestial me fizesse prefeito da cidade e outro fizesse com que eu tivesse condições políticas para que minhas vontades se tornassem realidade seria a imediata suspensão do evento Sonho de Natal.
Como assim acabar com o Sonho de Natal?
Sim. Acabar com o Sonho de Natal.
Durante essa mesma campanha fui instruído a contar para a população que o governo anterior, inimigo durante o processo, tinha perdido a marca Sonho de Natal. E que seria compromisso da administração que eu representava recuperar a tal da marca. Ao mesmo tempo, o partido opositor, que detinha a administração na época culpava má gestão no período anterior por isso. E que também estava lutando pela recuperação da mesma.
Isso com certeza foi o episódio mais insano daquele embate político. Imagine você quando eu disse em reunião com toda a liderança do partido que eu achava que essa tinha sido indiretamente uma vitória para a cidade e que não tinha que recuperar nada.
Digo mais, de forma possivelmente até sem querer, aquela administração tinha escolhido finalmente uma marca certa pro Natal de Canela.
Qual marca? Para o Natal de Canela?
Natal em Canela.
Uma marca que dizia exatamente o que era o evento. E o mais importante, aonde era o evento. Em Canela, na nossa cidade. Nem Gramado tem a sua marca (Gramado) no seu evento natalino (Natal Luz). Se um dia alguém quisesse levar o evento embora, levaria. Foi o que até se ameaçava na cidade vizinha. Claro que nenhum dos eventos teria como pano de fundo cidades fantásticas como Canela e Gramado, mas o evento poderia ir embora.
Ok, mas não seria só um problema de marca? Por que então acabar com o evento todo?
Só um problema de marca? Só?
A Apple, o Google, a Coca-Cola valem o que valem não pelo que possuem de físico, mas sim, pelas suas marcas! É isso que uma empresa, uma cidade ou até mesmo você constrói durante todos os dias da sua existência. Ou você achar que seu nome é o que? As pessoas não dizem que tem um nome a zelar? O que se constrói é a ilusão ou os atributos e sensações que uma palavra relacionada a uma entidade representa na cabeça das pessoas. Sim, no cérebro dos outros. É como nosso cérebro reage quando exposto a uma marca. São milhares de sensações simultâneas e imediatas que associamos dentro de nossos pensamentos. Vemos aquisições de empresas durante o tempo todo, mas é o que sua marca representa que continua a valorar aquele produto ou serviço. A marca é a alma de qualquer entidade, pública ou privada.
É isso que Canela ainda não entendeu. Que não adianta fazer Natal, Páscoa, pinheirinho, pendurar guarda-chuva, pendurar luz ou colocar banda gauchesca a tocar na frente da Igreja. Não é nada físico ou palpável que vai resolver os problemas que a cidade encontra na sua divulgação turística.
E não vai ser o Sonho de Natal. Na verdade, o Sonho de Natal faz um desserviço para Canela e precisa ser extinto já.
Canela precisa tratar Canela primeiro. A cidade de doze meses por ano e não de dois ou três meses.
E para tratar de si própria antes, é preciso reconhecer os seus problemas. É como ir no médico ou no terapeuta. Se ficar escondendo o que tem, jamais vai conseguir se curar.
Canela precisa entender que sim, é a sombra de Gramado. Canela é. E você sabe disso. Você canelense é orgulhoso demais pra admitir. Você consegue enxergar muitas virtudes na sua cidade e defeitos na outra. Se sente igual em competência aos gramadenses. E tudo isso é verdade, mas admita a principal delas: Gramado é a cidade líder. Canela é a seguidora. Gramado é mais famosa. Gramado é mais limpa, organizada e charmosa. Gramado é uma cidade bem sucedida. Gramado sempre e ainda organiza eventos de forma fantástica. Sempre.
E Canela?
Canela tenta.
E ai que está o maior problema. Canela tenta.
Canela odeia essa posição de cidade inferior a Gramado. Odeia, mas é ela mesmo que se coloca como cidade inferior. Não acredito que Gramado esbanja competência somente para se sentir superior a Canela. Gramado não está nem ai para sua cidade vizinha. É Canela que tenta, que quer seguir os passos de Gramado, que SONHA (olha a ironia) que o seu Sonho de Natal seja um dia mais famoso e relevante que o Natal Luz.
Para que? O Sonho de Natal é um evento absolutamente maligno para Canela. Ano após ano reforça para os próprios canelenses e para os seus turistas que Canela é um subproduto barato de Gramado.
Até quando Canela lutara contra seus próprios fantasmas numa guerra invisível para que um dia faça um Natal melhor que o de Gramado? Não vai conseguir!!! Com essa mentalidade pequena não vai conseguir é nunca. E mesmo se isso não fosse um empecilho, por mais que o evento em Canela comece a ganhar mais e mais relevância, eu duvido que o evento de Gramado se torne menos relevante. Acho que nem estabiliza. O que a gente percebe na verdade é que o evento da cidade vizinha cresce mais e mais a cada ano.
Tudo é organizado, são três eventos consagradíssimos que acontecem diariamente. Um, dois e três. Depois um, dois e três de novo. Todos os dias. Gramado começa garantindo que cada turista fique pelo menos três dias na cidade. Verdadeiras arenas são montadas. Existe uma parada no centro da cidade, que na verdade deixa de ser cidade e se transforma numa Disneylândia pública. E nesse desfile, NEVA! Sim, neva. O Natal Luz possivelmente é o evento mais deslumbrante que acontece ano após ano em todo o território brasileiro.
E Canela, a prima pobre, vai querer imitar? Pra que?
Canela precisa se desconectar de Gramado. Isso é o primeiro passo para a sua autoestima. Esquecer Gramado. Querer competir marca na mesma categoria é um suicídio no ponto de vista do marketing. A Pepsi jamais vai ser a Coca-Cola. A Antarctica jamais vai ser a Brahma. Então eu pergunto: Para que fazer cerveja? Faça guaraná. No guaraná não tem pra ninguém. Quem nasceu pra ser Guaraná Brahma, jamais será Guaraná Antarctica. Na verdade, nem sei se Guaraná Brahma ainda existe! E se não existe, justifica exatamente o que eu estou falando.
Esquece o Sonho de Natal. Deixa Gramado fazer o Natal. Ah Cleyton, mas e os turistas? E os nossos hotéis? Eles estarão aqui igual! Tu acha que Gramado vai ter estrutura para atender todo mundo que vem? Não tem! Os hotéis, os restaurantes e a estrada lota que ninguém se mexe. Na verdade um alívio desse fluxo será até benéfico, pois as cidades já demonstram cada vez mais sinais de fraqueza na infraestrutura. Na verdade acredito que o benefício pra cidade pode ser ainda maior, pois o fluxo turístico talvez seja o mesmo mas o custo por não promover o evento gere um resultado econômico ainda maior.
Quero dizer com isso que Canela não se prepare para o Natal? Claro que não! Todas as cidades se preparam. Todas as nossas casas se preparam e uma cidade linda como Canela não vai se preparar? Claro que não! Vai se preparar sim. Linda e iluminada como sempre, mas não chama isso de evento, não tenta competir com Gramado. Melhore a sua decoração ano após ano, claro, mas surpreenda. Seja ímpar.
Gramado jamais terá a Catedral de Pedra. A mais linda, imponente e icônica igreja do Brasil. O Natal não é uma celebração a Cristo? Existe monumento a Cristo mais imponente que a Catedral de Pedra? Não tem. A Catedral de Pedra é a alma de Canela, o seu coração. Foi ela que eu coloquei como a marca da cidade quando me solicitado. A igreja gótica que aponta para o céu. A estrela no topo. O ápice da Região das Hortênsias. O seu cume. Que a Avenida Osvaldo Aranha se transforme em um corredor iluminado que guie para o ultimo destino de quem vem a Serra para o Natal. Deixe esse símbolo máximo falar por si. Esquece o evento. Deixa Gramado se entupir de gente. A “reta final para a vitória” estará em Canela.
O Sonho de Natal não é o evento líder. O Natal Luz é. Nem os canelenses sabem e talvez até desconfiem que o Sonho de Natal surgiu antes do Natal Luz. É sério. Grande coisa. A Coca-Cola também não foi o primeiro refrigerante. O Dr. Pepper foi. Uma marca que existe até hoje nos EUA. O Yahoo também veio antes do Google. Isso não é suficiente para a liderança na mente dos consumidores. Ajuda bastante, mas o criador precisa aproveitar a vantagem de ter saído na frente e se esforçar para ser o melhor. Liderar a indústria com o melhor produto e ou serviço, o primeiro a inovar e o melhor em saber vender. E é isso que sempre foi o Natal Luz. A referência máxima em Natal no país. Canela não é a Pepsi que só faz refrigerante. Canela é uma cidade linda e capaz de ser o que quiser. Doze meses por ano. Esquece o Natal e vai se tornar conhecida pelo que se é. Vai ser a melhor, a líder, no que tem dentro da sua própria alma. Quer ser a cidade natural? Seja! Não existe a cidade com essa marca no Brasil. Se torne a capital do ecoturismo. De verdade. Traga carros elétricos e seja matéria gratuita no Brasil inteiro. Não precisa gastar dinheiro público com divulgação quando existem maneiras muito mais eficientes de fazer o mesmo ainda mais em época de cliques, curtidas e compartilhamentos. Crie um evento de bicicleta, coloque bicicletas públicas, coloque cinquenta “picetes” de ferro na rua e diz que é porta-bicicleta ou o que seja. É caro fazer isso? Não é. A bicicleta e os meios alternativos de transporte são a mania do planeta inteiro. Ainda mais de países DESENVOLVIDOS. E é EXATAMENTE isso que Canela quer para si e é isso que Canela precisa colocar na cabeça das pessoas. Uma cidade ‘inferior’ ou um ‘subproduto’ de Gramado não pode ser tão desenvolvida. Mas é. E essa dicotomia gera uma confusão na cabeça do turista e isso muda a percepção da cidade no médio prazo. Porque não a Amsterdam do Brasil? Cidade conhecida pelas bicicletas no País, referência em vida saudável e sustentável. Terra de gente desenvolvida. Gramado está fazendo isso? Não está. Faça Canela.
Não é o suficiente? Teima que precisa de um evento pra cidade? Quer também um evento como Natal Luz? Acredita ainda nesse pensamento retrogrado que é o grande evento o caminho único para o sucesso? Faz a porra da Páscoa! Existe a cidade-Páscoa do Brasil? Não!!! Gramado é a cidade-páscoa? Não é! Seja Canela. Tem indústria de chocolate ainda! Investe mais na produção de chocolate. Dá o incentivo necessário. Faz!
E tem mais: a Páscoa na Serra vende chocolate, pois as pessoas também sobem para isso. Chocolate da Serra tem valor agregado. Ou tu acha que turista vai fazer compras de Natal em Canela ou Gramado? Não são nem loucos! Presente de Natal eles compram no shopping center de suas cidades.
Canela precisa entender que o Sonho de Natal é um evento não só desnecessário, mas prejudicial para a cidade. Quer um exemplo prático de que Canela já sabe que não quer isso pra si? Os empresários e os políticos não brigam desde que o evento surgiu? O empresariado não cobra da prefeitura por investir e fazer o Sonho pra cidade? E a prefeitura não cobra o empresariado por nunca ajudar a realizar esse Sonho? (Novamente a ironia com o uso dessa palavra) Em resumo: nenhum dos lados quer o evento de maneira incisiva como se precisa. Ninguém quer. E se ninguém quer é porque ninguém está convencido que o evento é fundamental para seus interesses.
A cidade antes de pensar em evento, precisa consertar o seu maior problema, que é de percepção. É o posicionamento que a sua marca ocupa na cabeça das pessoas. A segunda cidade, o subúrbio, a irmã pobre, o troco. Canela goza da sombra de Gramado e de trás não quer sair.
É necessário que Canela pense no longo prazo. É necessário que Canela encare a realidade e tenha coragem para fazer mudanças profundas que a cidade precisa. É necessário que Canela de um passo pro lado para que não só seja vista, como também, possa se iluminar e também brilhar ao Sol.
Ótima reflexão e ideia